A LINGUÍSTICA BRASILEIRA E O DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS COLETIVOS

Texto de:

Ataliba T. de Castilho

Coordenador do Projeto de Gramática do Português Falado
Coordenador do Projeto de História do Português Brasileiro
Professor Emérito da USP
Professor Titular Convidado da Unicamp

Uma característica marcante da Linguística Brasileira é o tratamento de temas fundamentais da identidade linguística dos brasileiros por meio de projetos coletivos.

Para participar desses projetos, são convidados experimentados linguistas, que devem necessariamente dispor de pontos de vista diferentes sobre o fenômeno da linguagem. Nunca, como então, se confirmou tão bem a ideia de que as diferenças teóricas são mais fecundas do que as semelhanças.

São muitos os projetos coletivos desenvolvidos em nosso país, mas vou aqui focalizar apenas dois deles, dada sua extensão e complementaridade.


Projeto de Gramática do Português Culto Falado no Brasil (PGPF)

Esse projeto de desenvolveu entre 1988 e 2016, tendo por objetivo examinar com mais precisão os materiais levantados pelo Projeto de Estudo da Norma Urbana Culta (Projeto NURC), desenvolvido entre 1970 e 1990 em três capitais brasileiras, sendo quatro fundadas no século XVI (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre), e uma fundada no século XVIII (Porto Alegre).

O Projeto NURC documentou amplamente a fala urbana, complementando os projetos de dialetologia rural. Agora, o objetivo era documentar e descrever a linguagem dos grandes centros urbanos, que entretanto se formavam.

Os amplos materiais desse projeto retrataram o Português Brasileiro tal como utilizado em entrevistas, diálogos e aulas, trazendo a língua falada para o centro das preocupações científicas. Esses materiais continuam abertos à pesquisa no site do Centro de Documentação Linguística e Literária Alexandre Eulálio, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp: www.cedae@unicamp.br

O objetivo do PGPF era preparar uma gramática de referência do português brasileiro falado, ampliando os temas e modernizando os pontos de vista teóricos até então vigentes nesse gênero científico.

Numa primeira fase, os pesquisadores organizaram-se em grupos de trabalho:

Fonética e Fonologia, Morfologia, Sintaxe gerativista, Sintaxe funcionalista, Organização do texto. Cada grupo escolheu uma perspectiva teórica e estabeleceu uma agenda de pesquisas. Os resultados assim obtidos foram apresentados em dez seminários, realizados entre 1990 e 2002, cujos resultados foram publicados em uma série própria, pela Editora da Unicamp.

Finalizada a agenda dos grupos, sobreveio o consolidação dos resultados, em 7 volumes:

Vol. 1 – Clélia Cândida Spinardi Jubran (Org. 2015). A construção do texto falado. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
Vol. 2 – Mary A. Kato e Milton Nascimento (Orgs. 2015). A construção da sentença. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
Vol. 3 – Rodolfo Illari (Org. 2014). Palavras de classe aberta. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
Vol. 4 – Rodolfo Ilari (Org. 2015). Palavras de classe fechada. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
Vol. 5 – Maria Helena de Moura Neves (Org., 2016). A construção de orações complexas. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
Vol. 6 – Ieda Maria Alves e Ângela C. S. Rodrigues (Orgs. 2015). A construção morfológica das palavras. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
Vol. 7 – Maria Bernadete Marques Abaurre (Org. 2013). A construção fonológica da palavra. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.

O leitor interessado encontrará aqui o que de melhor a Linguística brasileira publicou nos últimos anos, em matéria de reflexão gramatical. Além de renovar a área, reunindo os linguistas mais preparados do país, o projeto fez do Português Brasileiro a primeira língua românica a ter sua variedade falada culta amplamente descrita.

Os cientistas sabem que boas respostas conduzem sempre a novas perguntas, abrindo novos horizontes à indagação, com o surgimento de novos projetos. Com o PGPF não foi diferente, levando os pesquisadores a estudar a história do que se descobrira. Surgiu, assim, o

Projeto de História do Português Brasileiro (PHPB)

O PHPB seguiu os mesmos passos do projeto anterior: recrutamento de bons linguistas, identificação de um temário, seleção de perspectivas teóricas, exposição à crítica dos resultados parciais e, finalmente, consolidação dos resultados.

O projeto conta hoje com pesquisadores distribuídos por várias equipes regionais: Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Pará Oeste, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Também o PHPB estimulou uma “convivência dos contrários”, abrigando sociolinguistas, gerativistas, funcionalistas e cognitivistas.

A agenda do PHPB compreendeu as seguintes atividades: organização do corpus diacrônico, história social, mudança gramatical, tradições discursivas, diacronia dos processos constitutivos do texto, história do léxico.

Nove seminários nacionais foram realizados para a discussão dos achados, todos publicados numa série própria.

O PHPB completou 10 anos em 2007. Surgiu então a ideia de consolidar os resultados obtidos numa grande obra de referência, a História do Português Brasileiro, de que resultaram doze volumes, assinalando-se por um asterisco os já publicados:

Vol. 1 – Ataliba T. de Castilho (Coord.) – Linguística Histórica e História do Português Brasileiro. São Paulo: Editora Contexto.
Vol. 2 – Ataliba T. de Castilho (Coord.) – Corpus diacrônico do Português Brasileiro. São Paulo: Editora Contexto.
Vol. 3 – Dermeval da Hora, Elisa Battisti e Valéria de Oliveira Monaretto (Coords.) – Mudança fonológica do Português Brasileiro. São Paulo: Editora Contexto.
* Vol. 4 – Célia Regina dos Santos Lopes (Coord.) – Mudança sintática das classes de palavras: perspectiva funcionalista. São Paulo: Editora Contexto / CNPq.
Vol. 5 – Ataliba T. de Castilho (Coord.) – Mudança sintática das construções: perspectiva funcionalista. São Paulo: Editora Contexto.
* Vol. 6 – Sonia M. L. Cyrino e Maria Aparecida C. R. Torres de Morais (Coords.) – Mudança sintática do Português Brasileiro: perspectiva gerativista. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
* Vol. 7 – Maria Lúcia C.V.O. Andrade e Valéria Gomes (Coords.) – Tradições discursivas do Português Brasileiro: constituição e mudança dos gêneros discursivos. São Paulo: Editora Contexto / Fapesp.
Vol. 8 – Eduardo Penhavel e Marcos Rogério Cintra (Coords.) – Abordagem diacrônica dos processos de construção textual do Português Brasileiro. São Paulo: Editora Contexto.
Vol. 9 – Dinah Callou e Tânia Lobo (Coords.) – História social do Português Brasileiro: da história social para a história linguística. São Paulo: Editora Contexto.
Vol. 10 – Jânia Ramos e Marilza de Oliveira (Coords.) – História social do Português Brasileiro: da história linguística para a história social. São Paulo: Editora Contexto.
Vol. 11 – Rodolfo Ilari e Renato Basso (Coords.) – Semântica diacrônica do Português Brasileiro. São Paulo: Editora Contexto.
Vol. 12 – Vanderci Aguilera e Fabiane Cristina Albino (Coords.) – Léxico Histórico do Português Brasileiro. Versão eletrônica. São Paulo: Editora Contexto.

O leitor encontrará nesta série uma apresentação moderna da história do Português Brasileiro, como resultado de vinte anos de atividades do PHPB.
Pesquisadores qualificados prepararam os capítulos dos volumes desta série, alargando consideravelmente os horizontes da Linguística Histórica no Brasil.

Tradicionalmente, os manuais de Linguística Histórica estudam a mudança fonológica, morfológica e sintática de uma língua natural. Alguns deles incluem a formação do Léxico. Esses manuais têm sido denominados “Gramática Histórica”.

A opção dos autores desta série foi agregar novos campos de investigação para o conhecimento histórico do Português Brasileiro. Aqui, além da Gramática, foram considerados também o Discurso (no sentido de diacronia do texto e estudo das tradições discursivas), a Semântica diacrônica e o Léxico Histórico do PB. Dessa forma, os quatro sistemas que organizam uma língua natural foram aqui
investigados: Gramática, Discurso, Léxico e Semântica. Nossos pesquisadores enfrentaram um desafio e tanto!

Lendo os capítulos que compõem esta série, o leitor atento poderá concluir que uma nova geração de linguistas históricos apresenta aqui os resultados de suas pesquisas, tratando de novos temas, concorrendo para um conhecimento mais aprofundado da história do Português Brasileiro.

O propósito dos pesquisadores do PGPF e do PHPB não se esgota nestas páginas. Eles se voltam também para você, leitor, convidando-o a identificar novos temas e a desenvolver novas abordagens, inspirando-se no que já se fez.

Campinas, 2018.

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